domingo, 18 de abril de 2010
da feminilidade rubra
Entra no onibus, a menina. Noites mal dormidas, acontecimentos mil. Com o cansaco tipico de fim de tarde de domingo, ela tira o cartao para fazer girar a catraca. Quando ergue os olhos, algo lhe chama a atencao. O vermelho. Sim, um vermelho forte, dominador, estonteante. Mas nao era um vermelho qualquer: ele pintava de forca e de feminilidade os labios de uma mulher.
nada de rostinho de boneca ou maquiagem mlimetricamente planejada. Vestida de calcas de ginastica, blusinha e vestindo all star maltrapilho, ela possuia grampos que deixavam parcos fios de sua franja soltos, jogados a merce do vento. Uma pinta pequena, timida ao lado da boca realcava a sensualidade feminina nada tipica de um domingo a tarde.
mas eis que surge ela: a boca. pintada de vermelho, a boca constituia a feminilidade por definicao. Sem ser pintada de modo detalhado, a fim de transformar a moca em uma bonequinha dos anos 20 ou uma femme fatale a la Marilyn Monroe. Longe disso: o batom, que ultrapassava levemente a linha do labio superior, foa pintado com raiva, com impeto. Nao para parecer doce, mas para transmitir forca. Froca de quem diz: ''estou num onibus em pleno domingo a tarde e me dou o direito de ousar e abusar dessa feminilidade viril. Sem que nenhum homem precise me olhar ou bares e restaurantes para me aprontar''.
A menina nunca olhara tanto para um batom. Olhares furtivos, reflexos no vidro da janela a sua frente. Tentava de todos os modos olhar mais um pedaco daquela boca, daquele batom, daquela licao de ser mulher sem a necessidade de maquiagem, salto, vestidos e decotes. Mas como pode uma boca avermelhada dizer tudo isso? Talvez as tatuagens na perna direita daquela mulher ajudassem a transmitir essa imagem de MULHER PODEROSA. Mas de que mulher poderosa estamos falando? Ela, na sua tranquilidade e no seu olhar bloqueado pelo Ray Ban que usava, faz a menina tremer. Como ousar tanto sem querer faze-lo? A mulher, na sua despretensao e no seu orgulho feminista, nao planejava: apenas era.
Mas que insegurancas ela abriga em si? Não há feminilidade que dispense insegurança. Feminilidade é contradicao pura - exibir o que se quer esconder, chamar a atenção sendo discreta, ter força e fragilidade unidos como carne e unha. Querer ser invencível mas não receber um não ao pedir colo, não ser chata mas poder transbordar o fluxo incessante de sensações e sentimentos que perpassaam cada célula de seu corpo a todo instante.Querer ser autentica ate o último fio de cabelo mas ficar indecisa quanto ao corte de cabelo a ser adotado, pensando no que ele vai dizer. Desejar o feminismo até a morte mas não resistir quando ele se oferece prapagar a conta, abrr a porta do carro ou lhe dar bombons/flores. Desejar romantismo que faça suspirar unido a sexo que faca emudecer.
Havia insegurança naquela mulher, sem dúvida.A menina nao sabia quais nem quantas. Mas elas estavam ali, em algum lugar - se não na boca vermelha, na bolsa, no tenis ou escondidos nos cabelos presos pelos grampos. Talvez as inseguranças e os medos fossem tao tênues quanto aqueles fios de cabelo soltos. Ou talvez estivessem ali no rosto, nem presentes nem notórios, porém maquiladas de feminilidade rubra.
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Esse seu texto me lembrou de longe alguma coisa da Clarice Lispector. Descobrir-se mulher, assim, nessas situações tão inusitadas como dentro de um ônibus. Epifania pura. Curti Alê, curti, fico feliz de descobrir uns talentos raros perdidos por aí (ainda mais perdidos na minha sala da faculdade!)
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