domingo, 8 de março de 2009

retalhos de um domingo solitário.

Quem sou eu? O que é "eu"? Talvez algo assim como um feixe de acontecimentos, em movimento permanente, em parte equilibrado, em parte compreensível, parte enevoado, com todas as partes querendo e precisansdo equilibrar e compreender o todo. Esforço semelhante ao da bruxa madrasta: "espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?".

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Ler é um movimento externamente passivco - mas um movimento, porque mexe com as imagens interiores, guardadas, reprmidas, acrecentando-lhes outras e transformando as que o leitor já traz consigo. Escrever, por sua vez, é um movimento externamente ativo, fazendo imagens, trazendo outras ao mundo e modificando-lhes a forma - na direção de um estilo pessoal.

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Não existe hábito de leitura porque a maioria do povo é analfabeta, ou semi-analfabeta. Não há bons livros por isso também, e pelo perigo que trazem os bons livros. Não há dinheiro para comprar livros porque não há dinheiro para comprar pão, e não há dinheiro para comprar pão ou livros porque vivemos num regime onde são muito secundários o direito de escolher e a liberdade de decidir, tanto quanto a de desejar. Falta de dinheiro e falta de interesse pelo mundo e pelos livros são sintomas de um grande desrespeito humano institucionalizado. A instituição do desrespeito, que "escolhe" por nós todos e a todos interdita o desejo, é o nervo da questão - e não a falta de tal ou qual hábito.

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Ler muito não pode levar a escrever. pode levar a ler bem - o que será muito importante, claro. Ler bem, por sua vez, pode ajudar a viver, porquer o sujeito se informa, se identifica, se transfere, principalmente se anima. Mas o que leva as pessoas a escrever é uma angústia diferente destas: a angústia de riscar um destino, interferir na história, se colocar no campo de jogo.

Logo ler não é condição para escrever, mas munição para viver, e para escrever também. A atitude de ler é metonímia da contade de entender o mundo. A atitude de escrever, por sua vez, é metonímia da pretensão legítima e transcendente de transformar o mundo.

Se me contra-argumentarem afirmando que não existem escritores semleitura, concordarei coma evidência e discordarei desta lógica. De fato, não deve haver escritor que não leia, porque não há aquele que transforma o mundo sem entender o que se lhe oferece. Entretanto, a recíproca não é verdadeira. Há os que lêem, e entendem um tanto, mas preferem não interferir, inertes e omissos inclusive por opção. Há os que lêem muito e entendem muito, mas nunca escreveram nada. Quem escreve, então, sem dúvida lê. Mas quem lê, na dúvida, lê mais um pouco - e não escreve.

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Nesse sentido, escrever tem a ver com a mágica. Como fazer do papel um espelho, mas um espelho ás nossas ordens. "Espelho, espelho meu, existe alguém mais angustiado do que eu?". Ao escrever, me revelo - revelo a mim mesmo que posso organizar aspalavrinhas, donde que posso organizar o que as palavrinhas nomeiam, e donde que posso organizar, construir, montar o mundo novo também. Revelo-me a extensão do meu poder, ou seja: a extensão dos meu possíveis. Em suma, a extensão da minha utopia.

O ato de escrever, antes de tudo, é um legítimo ato de auto-afirmação. E "auto-afirmação", não é coisa ruim, pejorativa, como dizem os que n]ao gostam de os outros se afirmando. A afirmação de si mesmo é a primeira condição para responder à primeira pergunta. Quem não se afirma é o oprimido, é o submisso, o que se encontra caído ao chão à espera das ordens.

(Espelho, do livros Redação Inquieta)

Pequenas conclusões de uma tarde toda:

- ainda que sinta sensações distintas, os humanos usam os mesmo signos e códigos que formam a linguagem para tentar identificar e entender entre si o que sentem, o que querem, o que buscam, o que são.

O que se passa dentro de nós é inacessível ao outro.
- mesmo que a linguagem possua um grande pluralidade, as nossas perspectivas e sensações a respeito de algum objeto são diferentes. Toma-se como excemplo um mesmo objeto desenhado por diversas pessoas. O ponto de vista de cada uma delas, assim como suas impressões sobre o objeto diferem entre si, o que resulta em retratos diferentes daquele mesmo ser. As palavras funcionam como o lápis que produziu o desenho: têm como função dar forma a um fluxo incontrolável quase imediato de idéias, cores, sons que nos tomam quando nos deparamos com uma situação, uma pessoa, um lugar. Em suma, fazer com que esse fluxo tão pessoal e abstrato possa ser trazido a um mundo mais palpável, de modo a ser visto e compreendido pelos outros.

- muitos filósofos desdobraram-se ao estudar as possíveis falhas apresentadas pela linguagem, como e por que elas acontecem. A falha no entendimento entre o enunciador e o enunciatário é um dos problemas que mais afetam o homem, desde situações cotidianas banais até aquelas mais formais. Sendo os signos que compõe a linguagem partilhados e conhecidos pelos que dela se aproveitam, por que o completo entendimento, muitas vezes, não ocorre de forma plena? A diversidade presente na linguagem faz com que, mesmo dispondo dos mesmo símbolos, nós usemo-nos de maneiras distintas para estabelecer idéias. O modo com que dispomos as palavras reproduzem efeitos diferenciados, o que distingue um Machado de Assis de um enunciador comum.

Guimarães Rosa que também o diga.

(um fluxo incessante de idéias. Ficar sozinha em casa num domingo não é tão triste assim. pelo contrário: pode ser bem proveitoso).


Não me achei ainda, mas eu sei que aquela certeza que me acompanha desde a 8ª série, e que me guiou durante quase todo ano passado vai voltar.

Mel adoça o domingo, e alegra a vida.

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