Não. Não tenho absolutamente nada contra o querido, aclamado e idolatrado Dr.Patch Adams – cuja obra foi tema do filme “Patch Adams, O Amor é Contagioso”, interpretado divinamente pelo todo poderoso Robbin Williams. Admiro muito todo o trabalho realizado por Patch, e o fato dele ter conseguido expandir seus projetos mundo afora. Mas a verdade é: ao levantar do sofá (impressionada) após ver o programa Roda Vida de hoje, senti que, mais do que uma aula de neurociência e tecnologia, presenciei uma lição de cidadania e patriotismo (por mais hipócrita que isso soe para alguns).
Explicando:o Dr.Miguel Angelo Laporta Nicolelis, paulistano, formado em medicina pela USP e doutorado em neurofisiologia pela mesma Universidade. Pós-doutorado foi na Hahnemann University, Filadélfia. Hoje, Nicolelis dá aulas de neurobiologia e engenharia biomédica na Universidade Duke (uma das mais respeitadas do mundo na área) e co-dirige o Centro de Neuroengenharia.
Neuroprótese. O termo parece esquisito, mas é feijão com arroz para Nicolelis. Afinal, ele foi um dos principais desenvolvedores da coisa – nada mais que uma interface cérebro-máquina — uma espécie de “ligação direta” entre os neurônios e os nervos, sem precisar passar pela medula. Por isso seu trabalho é um marco na ciência: no famoso monkey lab da Duke, a macaca Aurora moveu um braço robótico apenas com a “força do pensamento”. O movimento foi possível com o desenvolvimento de um chip que capta sinais cerebrais e os interpreta segundo modelos matemáticos criados pelos próprios pesquisadores do laboratório de Nicolelis. Ou seja: a longo prazo, o chip pode ser desenvolvido para uma neuroprótese que possibilite, por exemplo, um tetraplégico, que sofreu uma lesão severa na medula, voltar a caminhar.
A hipocrisia mencionada acima relaciona-se ao patriotismo demonstrado não só na entrevista de hoje, como também nos trabalhos desenvolvidos pelo médico. Ele, com (leve) apoio do governo federal, implantaram o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, em Macaíba, um lugar da periferia da cidade.
A idéia é que o NatalNeuro seja um centro catalisador e transformador da sociedade”, diz. Para isso, está sendo criada uma escola para as crianças da comunidade vizinha – formada por catadores de papelão e lixeiros. “Há crianças ali que têm cicatrizes causadas por mordidas de rato. Como vamos lidar com camundongos em testes ultrasofisticados sabendo de fatos assim?”.
Esses são alguns dos trechos do perfil descrito no site
http://impostor.wordpress.com/perfil-miguel-nicolelis/.
Assim que o programa acabou, vim
CORRENDO pro computador procurar mais informações sobre.
O melhor de tudo – mais do que ver um programa desses dando certo – é perceber a sua amplitude e significado. Segundo Nicolelis, um de deus idealizadores, difundir o gosto pela ciência no país, mais do que formar cientistas, contribuirá para que formemos não só um país melhor, mas também cidadãos, que de alguma forma revertam o que aprendem em faculdades à sociedade como um todo. “Devemos mostrar que a ciência não se resume a laboratórios, simplesmente, e que pode ser um grande meio para tratar-se da questão social”.
Além do trabalho realizado em Macaíba, Nicolelis e sua equipe pretendem ampliar o projeto para um região do semi-árido da Bahia. “Vai ser a primeira vez que teremos algo assim no semi-árido – uma região única, existente apenas no Brasil. A nossa caatinga é exclusiva, não há ecossistema como esse em nenhum outro lugar do mundo. A intenção é fazer com que as crianças aprendam ali, no lugar em que cresceram e viveram suas vidas, desenvolvendo avanços que beneficiem primeiramente a população local. O mais fascinante disso tudo é que elas não querem largar o semi-árido. Elas querem permanecer ali, e não trocariam aquilo pelo transito caótico de São Paulo ”. Além de cidadania, houve também aulas de geografia =)
Um dos maiores momentos do programa deu-se quando um jornalista do jornal O Estado de São Paulo (alô, sonho!) – que fez perguntas bem pertinentes –afirmou que Nicolelis é um dos favoritos ao Nobel, sendo o brasileiro que mais terá chegado perto dessa conquista, perguntando em seguida se, caso Nicolelis leve o prêmio, se este será dedicado à sua criação e história no Brasil ou se à infra-estrutura dos EUA. Particularmente, achei uma pergunta difícil de ser respondida (aquelas que te deixam em saia justa caso os presidentes dos dois países estejam assistindo ao programa). Nicolelis desconversou esse papo do Nobel, e respondeu que o prêmio, por mais apoio que tivesse conseguido nos EUA de modo a desenvolver o seu trabalho, seria do Brasil. “Cresci aqui, me formei aqui, e aqui surgiu toda essa idéia relacionada à área médica. No Brasil, me foi permitido sonhar”. Outra pergunta, essa feita pelo diretor da Revista Science Brazil (dono de perguntas maravilhosas) questionava qual o significado desse trabalho realizado em Natal,além da parte social. “Por que voltar ao Brasil mesmo estando consagrado nos EUA?”. Nicolelis responde: “Senti que, como brasileiro, deveria fazer algo que contribuísse para o Brasil, englobando a medicina, a área social e a chance de desenvolver um projeto que depois se expanda para outros países – como é o caso de um africano [que Nicolelis preferiu não mencionar]. Não fui o primeiro nem serei o último a deixar o país em busca de melhores condições para a realização de trabalhos, mas acho que deve haver um retorno por parte daqueles que se vão. Acho que o Brasil ainda tem medo, medo de ousar. Precisamos quebrar a estrutura colonial vista aqui, investir sim em educação. O Brasil tem um grande potencial, e, através dessa mudança e do uso de suas riquezas naturais, poderá sim ser uma grande nação”.
Fiquei me perguntando qual a minha atitude em relação à isso. Eu sou sim uma daquelas que pensam: ”Nossa, isso daqui nunca vai dar certo” quando sai uma manchete contando sobre mais um escândalo envolvendo política-dinheiro-poder. A hipocrisia a que me referi no começo do texto relaciona-se ao fato de Nicolelis exaltar sim o Brasil, mesmo vivendo nos EUA. Muitos diriam: ”Assim é fácil elogiar o país. Ele não vive aqui, não sofre com a tamanha corrupção, não tem o dinheiro de seus impostos quase todos desviados”.Eu mesma, se não tivesse visto a entrevista até o fim, ficaria com uma impressão dessas. Mas, ainda que essa realidade desanimadora seja verdadeira muitas vezes, a iniciativa de Nicolelis que ficarmos parados, culpando os políticos por todos os males que afligem o país não é a solução. No Brasil, por mais que não se queira, ainda há aquele ar de esperança que existe desde que o Brasil é o Brasil. Muitos filósofos dizem que a esperança é o grande erro da humanidade. Por mais cética e crítica que eu seja sobre o nosso país, creio sim (principalmente após o Roda Viva de ontem) que ficar reclamando e não fazer absolutamente para mudar não o mundo ou o país, mas o pequeno espaço em que se vive é sim o grande erro. Após estudar uns pitacos de história e ler o livro 1984, de George Orwell (obs.: do caralho), vejo que grande revoluções e movimentos não são a solução. Hoje, a iniciativa transformadora relaciona-se muito mais à coleta seletiva no seu condomínio, ao acompanhamento dos pais sobre a vida escolar dos filhos (uma mudança cultural que envolve o cotidiano atribulado dos dias de hoje, e que não há dinheiro de mensalão que resolva), a discussões e palestras em escolas e faculdades, à vontade (e necessidade) de mudar algo de ruim (ou não tão bom) que existe em
CADA UM.
Sem adulações, mas, ao desligar a TV lembrei do programa que mostrou a entrevista com o médico norte-americano e pensei: “Patch Adams que me perdoe, mas esse daí é Made In Brazil”.